Mozart Baldez é advogado.
João Costa Reis, o João Chiador, um dos maiores cantadores de boi de todos os tempos nos deixou na tarde do último domingo (06/08/17), abrindo um grande clarão na cultura popular do Maranhão. Ele era filho de Cândido Bento dos Reis, ex cantador do Boi de Maracanã e Clara Costa Reis.
Enquanto o povo chora a sua partida para a eternidade o batalhão do céu vai se reforçando cada vez mais com a chegada de Coxinho , Humberto de Maracanã, Papete e agora Chiador que é primo de guriatã.
“Nasci para cantar boi”, afirmava Chiador em qualquer conversa de botequim quando o assunto era o folclore. O pai cantador, o irmão cantador e o avô cantador. João dizia que era cantador ainda na barriga da mãe.
João Chiador iniciou a vitoriosa e brilhante carreira em Tajaçuaba. Sua estreia oficial como cantador foi no boi na Maiobinha. Convidado por Luís Gonzaga Danavó, foi parar na Maioba. O apelido de Chiador veio da Maiobinha, quando fazia uma apresentação no Bairro de Fátima e o som chiava muito.
Por trinta e dois (32) anos ele cantou no Batalhão da Maioba. Depois foi para o Boi de São José de Ribamar onde aposentou contra a sua vontade por problemas de saúde. A sua forma de cantar e compor era incomparável. Não sabia ler nem escrever mas sabia ouvir como poucos. Assim assimilava as letras que recebia e que ele próprio compunha. A trupiada do seu batalhão fazia a diferença quando chegava arrebentando tudo nos arraiais, ruas, esquinas e terreiros da ilha e além limites: sempre foi pesado.
Em outros tempos, quando iniciou na cantoria, não havia sofisticação para o boi se apresentar com parafernália de microfones sem fio, ar condicionado, luzes pirotécnicas , palanques, toneladas de mega sons, etc.
Naquela época cantador de boi de verdade puxava a toada no sereno da noite no gogó, sob a proteção de Deus, São João e dos candeeiros, lamparinas ou petromax . Durante o dia ou no amanhecer o boi guarnecia e dançava com sol ou chuva. Tinha que ter garganta. E Chiador tinha de sobra todos esses ingredientes.
Ele viveu na verdade as duas eras dessa maravilhosa manifestação popular: presenciou praticamente os caminhões serem aposentados , salvo para transportar os caboclos de pena. E boeiro agora anda de ônibus confortável. Chiador que gravou toadas nos terreiros em gravadores com fitas cassetes, também entrou para a era dos LPs , DVDs, CDs e pendrives. João está no You Tube cantando boi e essa inédita lembrança ficará para sempre.
Ele foi pioneiro na arte e maestria de compor e interpretar temas históricos e de preservação da natureza. O ritmo que ele impunha a seu batalhão lhe garantiu o título de cantador de melhor melodia no sotaque de matracas.
O Maranhão está de luto. Em particular Maioba e Ribamar. Maracanã também. Foi lá que ele nasceu. Lembro como se fosse ontem quando ainda criança ele passava gritando ‘’CAMARÃO’’, pelo bairro do Apeadouro ,todos os sábados ao meio-dia, a pé, carregando sobre os ombros uma lata de querosene cheia do pescado. Meu pai Mozart, já falecido, seu amigo e conterrâneo , comprava todo o camarão que ainda restava e em seguida chamava os amigos para ouvirem até o final da tarde as grandes toadas do artista, regadas a camarão frito e faixa azul (nome que davam à cerveja Antárctica).
Certo dia ouvi atentamente a história narrada por José Inaldo, Presidente do Boi da Maioba sobre a saída polêmica de João Chiador daquele batalhão indo em seguida para Ribamar. Foi um ”dia de cão”. A Maioba ficou chocada com a notícia de sua saída – disse Inaldo. ‘’Bem próximo da temporada junina perdemos o nosso cantador para o maior rival ‘’, arrematou.
Um de seus maiores sucesso foi a toada ‘’nossa senhora mãe aparecida’’. E foi ao som dela que ele foi levado para a última morada, certamente no colo da santa que sempre referendava nas noites juninas.
Chiador era uma espécie de Cartola da música carioca. Ambos eram de origem humilde. Mas cantavam e compunham como grandes intelectuais. Chiador vendia carne, peixe , camarão, para sobreviver e Cartola era mestre de obra.
Nenhum deles pegava no dicionário porque não sabiam ler e nem escrever. Era um mistério. Nas composições , cada um em seu gênero. Como esses homens encantaram o mundo cantando o que não estudaram? Isso é coisa de Deus – dizia Cartola. E João, devia ter dito : – coisas de São João. Adeus meu velho. Vai com Deus!
MOZART BALDEZ
Advogado
Presidente SAMA
EU NUNCA TINHA VISTO COXINHO ESCRITO ASSIM