Por que sair de um relacionamento abusivo não é tão simples assim?

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Texto enviado pela leitora Luiza Pion

Eu escrevo esse texto por três motivos: porque eu já estive em um, porque minhas amigas já estiveram/estão, e o mais importante: porque sempre vejo muitos julgamentos entorno do que é estar em um relacionamento abusivo.

Quantas de nós já não ouviram coisas do tipo: “Você está nessa situação porque quer.”, “Você gosta de sofrer?”, “Você é cega?”, “Será que você não percebe o que está acontecendo?”, dentre muitas outras perguntas que nos são feitas no intuito de ajudar, mas, que na verdade só nos magoam ainda mais. Como diria a brilhante Jout Jout sobre relacionamentos abusivos “Uma parte de você sabe, mas, você meio que não sabe ao mesmo tempo.”

Mas, a questão é: “Se sabemos, não deveria ser fácil então dar um basta?”. Bom, deveria, mas não é. Usando meu relacionamento abusivo como exemplo, e analisando outros relatos que já ouvi, não é tão simples acabar com um relacionamento abusivo por inúmeros fatores, dentre os quais vou citar alguns que eu considero serem os principais.

Você demora a acreditar que a pessoa que você ama não te ama também. Cada um tem sua forma de demonstrar amor, carinho e afeto. Ok. O ponto é que, por estarmos muito envolvidas naquela situação, não percebemos que a pessoa com quem estamos demonstra  ignorar nossas necessidades através de censuras, descasos, violência verbal e/ou física. Além de muitas outras formas de abusos, como não se importar conosco e com nosso bem estar. Então, começamos a nos enganar para justificar aquela situação: “Ele é assim mesmo.”, “Ele não estava num dia bom”, “Ele não foi acostumado a pedir desculpas”, “No fundo ele também está sofrendo.”.

Ele te faz crer que a culpa é SUA, e assim você começa a aceitar que é mesmo. Usando um exemplo pessoal, muitas vezes meu ex me tratou mal, mas não deliberadamente, e sim de uma forma muito articulada, para que eu acreditasse que, se ele estava agindo daquela forma, bom, alguma coisa EU tinha feito. Erros todo mundo comete na vida, e não estamos isentos de irritar alguém uma vez ou outra, só que, no caso de relacionamentos abusivos, não percebemos de forma clara como as situações são sempre projetadas para o nosso comportamento.

Isso pode ser visto em falas como “Eu desligo o telefone na sua cara, porque você chora demais”, “Eu não vou mais sair com você, você é muito histérica” ou “Você é a pior mulher de todas” (sim, isso já foi me dito). E é aí que, ao invés de nos perguntamos “Mas eu sou assim, ou eu estou me sentindo assim por algum motivo?”, “Eu ajo da mesma forma com quem me trata bem?” ou “Eu tinha esse comportamento antes de conhecê-lo?”, começamos a pensar que “Puxa, ele tem razão, vou me controlar mais.”

Mas depois de dias, meses ou até anos, nos damos conta de que nunca é o suficiente. No fundo, você acredita que o amor cura tudo. Desde nossa infância, a maioria de nós (mulheres) fomos educadas para sermos gentis, dóceis, amorosas e prestativas (ok, algumas não foram criadas assim, e outras simplesmente não têm todas essas características, mas vou abordar o que acontece na grande maioria das vezes). Crescemos com o nosso imaginário sendo moldado para acreditar que, não importa o que aconteça, no fim, o amor triunfará. Isso está nos filmes, nas novelas e nos milhares de livros de auto-ajuda que em sua grande maioria são destinados a nós.

Nós temos uma imensa variedade de textos nos dizendo como deveríamos agir para conquistar o homem amado – inclusive nas revistas voltada paras as adolescentes-, enquanto que para o gênero masculino esse tipo de “manual sobre o gênero oposto” é ínfimo. Sendo assim, é muito difícil dar um basta em algo que, no fundo, você acredita que possa dar certo.

Este raciocínio se aplica até àquele emprego que você detesta ou para aquele curso da faculdade que você não suporta, mas permanece porque tem a sensação de que um dia tudo vai melhorar. Ainda assim, outros tipos de envolvimentos, como faculdade ou emprego, por exemplo, geralmente, dependem só de você e do seu comportamento para prosperar. O seu relacionamento não, já que ele é formado por duas pessoas (e infelizmente, nos esquecemos disso).

Dessa forma, tentamos amar por dois. Conciliar por dois. Conversar por dois. Entender por dois.

Como sua auto-estima foi bombardeada com negatividade, você acredita que ninguém mais vai te dar uma chance como ele deu. E tal crença pode ser fielmente explicada pela frase “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade” – Joseph Goebbels (para quem não sabe, Joseph Goebbels era ministro de propaganda de Adolf Hitler). Ela traduz o que acontece em nossa mente depois de se incutir uma ideia várias e várias vezes. Logo, se é possível “moldar” o pensamento de milhares de pessoas usando um ideal, também moldamos os nossos quando sofremos abusos de nossos parceiros. Começamos a nos questionar quem mais poderia ficar conosco, se somos assim tão “loucas”, “gordas’, “burras”, “histéricas”, “choronas” ou “ ____insira aqui mais adjetivos depreciativos que eles dizem______”.

Dessa forma, começamos a acreditar que é melhor estar com alguém mesmo que nos trate mal, mas AINDA está conosco.

Depois de um tempo, ele até parece ter melhorado – mas só parece. Isso acontece muito depois de um término, um tempo ou uma briga muito feia. Parece que, depois de um tempo, ele finalmente assimilou que as coisas estavam ruins e que, a partir de agora, ele vai fazer de tudo para que nada daquilo se repita e fique agradável novamente.

E isso também aconteceu comigo quando, depois de um ano, meu ex voltou querendo falar comigo parecendo estar realmente muito arrependido do que aconteceu. Não deu duas semanas e ele voltou a me tratar mal novamente e agir como um completo egoísta. O porquê de isso acontecer? Bom, eu não sei dizer o que se passa na cabeça alheia e meu texto nem está aqui pra isso, mas sim para te dizer que você não deve se culpar caso isso tenha acontecido. Mesmo que essa chance tenha sido dada muitas vezes. Como eu disse, quando nós realmente queremos acreditar que tudo vai ficar bem, às vezes, é só de uma promessa (mesmo que falsa) que um coração machucado precisa.

E aí… ele te ameaça.

Nesse momento, é provável que você já tenha percebido que existe algo errado e conseguiu ter forças para acabar com esse relacionamento abusivo. No entanto, você começa a receber ameaças para que mude de ideia: “Eu vou aparecer no seu trabalho”, “Eu vou me suicidar se você fizer isso”, “Eu vou tomar os seus filhos”, “Se você fizer isso, eu nunca mais vou te deixar em paz”. E como obviamente você não quer que nada disso aconteça, você desiste do término e permanece.

Portanto, eu escrevi esse texto não só para ajudar as minas que estão passando por isso, mas, principalmente, para dizer “Tentem não julgar”. Eu sei que é difícil e às vezes eu mesma caio nessa armadilha.

E, principalmente, se essa mina é sua mãe, filha, amiga, irmã, colega… Não aponte o dedo, fazendo-a se sentir – ainda mais – culpada por não conseguir sair desse relacionamento. Mas, veja bem, caso você pense que meu texto de forma alguma está aqui para apoiar ou incentivar as minas a continuarem em relacionamentos abusivos, o intuito é justamente contrário.

Eu citei quatro possíveis justificativas, mas eu tenho certeza que existem muitas outras. Às vezes, ela simplesmente não tem forças por estar extremamente deprimida, ou não ter informação, apoio, estar sendo ameaçada… Então se você se encontra nessa situação, não vou terminar esse texto com a frase “sai logo dessa” e sim dizendo que “um dia você vai sair, mas enquanto esse dia não chega, estaremos aqui”.

Obs.1: Meu texto foi baseado em relacionamentos heterossexuais, entre homem (cis) (abusivo) – mulher (cis) (vítima), mas sei que existem outros tipos de relacionamentos em que o abuso também acontece. Escolhi falar sobre esse parâmetro porque é onde muito vejo mais relatos e vítimas, principalmente pelo machismo tão claro na nossa sociedade.

Obs.2: Se você não se sente a vontade com seu relacionamento, procure ajuda. Converse com alguém, existem diversos tipos de terapias que você pode procurar para recuperar sua auto-estima. E, nos casos de violência, seja física ou psicológica, ligue 180.

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