“A verdadeira lei é somente a justa e não a injusta, ainda que os ignorantes tenham essa última como lei”

Na última semana, amigos e pessoas que se associaram ao drama do menor Luís Guilherme, de 13 anos de idade, carinhosamente chamado de Guigui, reagiram com indignação, manifestos de solidariedade e protestos veementes nas redes sociais, em apoio a um desabafo proferido pelo Advogado Moreira Serra Junior, que narrou em minucias o seu calvário e as dificuldades que rodeiam seus familiares para garantir o atendimento médico a seu filho menor e neurossequelado.

Guigui ,desde que nasceu não fala e o destino lhe reservou a árdua missão de viver ou vegetar eternamente deitado numa cama e conectado a inúmeros aparelhos, através dos quais se alimenta, respira e aguarda a solução definitiva de sua vida que somente será determinada por Deus. Enquanto isto, aqui na terra, vive a expectativa da JUSTIÇA dos homens para minimizar seu sofrimento e de quem o ama.

O que mais chamou a atenção na denúncia do causídico e sua esposa Will Ferreira , também advogada, entre vários inconformismos repugnantes no face book, intitulado ‘’Quando a Justiça é injusta…’’ , foi o fato de Guigui ser dependente de uma plano de saúde privado, receber tratamento em sua residência e ato continuo perder esse direito por uma decisão proferida por uma Juíza (mulher), não sei se é mãe, da 16ª Vara Cível da Comarca de São Luís do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão , cujo mérito comumente não é negado pelos tribunais do país.

Resultado: o Home Care especializado foi desmontado, os aparelhos desligados e retirados. Guigui foi transferido para distante do acalento de seus familiares que obrigatoriamente fixaram residência em revezamento diário no Hospital São Domingos na Unidade de Terapia Intensiva – UTI, onde o garoto corre o risco continuo de contrair infecção, haja visto que o seu caso é especialíssimo e não há previsão de alta.

De tudo até aqui relatado o que não se compreende é a fria e incompreensível decisão da magistrada que encontrou a pior solução para o enfermo grave. Sequer diligenciou in loco para melhor ancorar a sua decisão. Decisão essa totalmente fora dos padrões humanitários. Caso Guigui permanecesse em seu lar, nenhum prejuízo traria para a empresa que explora o plano de saúde. Pelo contrário, ganharia credibilidade perante o público nesta prestação de serviço . Noutro sentido, não se justifica admitir Guigui como dependente, sabendo de sua condição especial, para logo em seguida negar-lhe tratamento adequado. A decisão não encontrou abrigo na mente de nenhum ser humano que conhece o caso.

Ora senhores leitores. A bem da verdade, julgar é um ato subjetivo. A própria palavra ‘’ sentença’’ provem de ‘’ sentir’’. Neste diapasão a sentença é tudo aquilo que o juiz sente. O julgador, principalmente o de primeiro grau, está mais próximo da realidade, do fato concreto do que o próprio legislador que preparou a norma em abstrato com destinação ampla e irrestrita.

A propósito, vale lembrar que o conflito entre a lei e a justiça é muito antigo na humanidade: no Antigo Testamento, no livro de Deuteronômio, determina a Bíblia: a justiça seguirás, somente a justiça, para que vivas e possuas em herança a terra que te dá o Senhor teu Deus (Deuteronômio, 16:20). Ainda na Bíblia, o profeta Isaías, no sec. VIII a.C., afirma: ai daqueles que fazem leis injustas e dos escribas que redigem sentenças para afastar os pobres dos tribunais, e de negar direitos aos fracos de meu povo (Isaías, 10:1-2).Para o filósofo latino Cícero, no séc. I a.C., a verdadeira lei é somente a justa e não a injusta, ainda que os ignorantes tenham esta última como lei (apud Porta Nova, 1997:126).

Por sua vez, o teólogo e filósofo inglês Guilherme de Ockham, no séc. XIV, ensinava: toda lei civil que contradiz a razão divina ou a razão revelada, não é lei (apud Porta Nova, 1997:126). Mais recentemente, o jurista italiano Cappelletti, traduzindo São Tomaz de Aquino: se o texto da lei contém algo contrário ao Direito natural, é injusto e não tem tampouco força obrigatória. E por isso, tais textos não se chamam leis, senão antes corrupções da lei. E por isso, não cabe julgar segundo eles (apudPortanova, 1997:127).

Percebe-se daí como é grande a responsabilidade do juiz, pois além de ter o poder de decidir sobre o patrimônio, saúde, liberdade das pessoas, etc., precisa de sensatez, precisa de razoabilidade, para afastar as leis injustas. O certo é que o Juiz não pode e não é escravo da lei. Pelo contrário, o juiz deve ser livre, deve ser responsável. Enfim, dotado de inteligência e vontade, o juiz não pode ser escravo, nem da lei (Portanova, 1997:128).

Seguindo essa senda, um magistrado do interior , que claro, não é mãe, dá o exemplo ao Brasil: o iluminado de Deus é Roque Ruy Barbosa de Araújo , Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Feira de Santana. Ele tem decidido contra o município e contra o Estado da Bahia, a partir de elevados valores humanitários.

Exemplo disso foi a sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia , através do desembargador Baltazar Miranda Saraiva, concedendo passe livre municipal para pessoas que estejam em tratamento de saúde , decorrente de doença mental. Determinou ainda que o Estado fornecesse medicação Hidroxiureia para os portadores da doença anemia falciforme. Em outra decisão obrigou o município que adotasse providências para que as pessoas portadoras de anemia falciforme residentes em Feira de Santana utilizem gratuitamente o transporte coletivo urbano de passageiros. E por último decretou que a cidade de Feira de Santana adotasse providências para que portadores de HIV/AIDS residentes naquele município, utilizem gratuitamente o transporte coletivo urbano de passageiros. Tudo sob pena de multa diária de R$2.000,00 (dois mil reais).

Vale lembrar ao magistrado que o direito à vida, ao bem estar e ao tratamento de saúde, é assentado no jus naturalismo, ou seja, ele existe antes mesmo do homem e acima das leis do homem. O direito é algo natural e tem como pressupostos os valores do ser humano, e busca sempre um ideal de justiça. Portanto nenhuma decisão tem o condão de ferir o justo.

A vida é sempre uma reflexão em todos os seus sentidos. Baseado nessa reflexão é que temos que analisar os caminhos a serem percorridos. Quando nossas necessidades gritam dentro de nós mesmos temos que encontrar uma saída, uma decisão, uma resposta. No caso em comento temos que lutar para reverter a INJUSTA DECISÃO que privilegia O PODER ECONÔMICO em detrimento de quem agoniza nos leitos hospitalares em busca de cura. Portanto vamos nos UNIR PARA AJUDAR NOSSOS IRMÃOS MOREIRA E WILL!

MOZART BALDEZ
Advogado
Presidente do SAMA – SINDICATO DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO MARANHÃO

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